A tarifa de 50% de Trump sobre o Brasil foi um tiro pela culatra para o bolsonarismo
- Marcio Silva
- Aug 3
- 5 min read

A ameaça de tarifas de 50% feitas por Trump ao Brasil nas últimas semanas e o decreto do dia 30/7 do governo norte-americano, com uma versão desidratada, tem um elemento novo comparada às feitas a outros países: a tentativa de de intervir diretamente em uma instituição judicial do país para salvar o ex presidente e figura da extrema direita, Jair Bolsonaro.
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil está em um processo judicial avançado sobre a tentativa de golpe realizada por Bolsonaro e aliados, ao final do mandato em 2022 e início de 2023. Ele provavelmente será condenado junto com dezenas de militares, incluindo alguns generais, e centenas de civis que tentaram impedir a posse de Lula, além de planejar o assassinato do presidente, do vice-presidente e de um ministro do STF.
O ministro do STF que está à frente do processo judicial, Alexandre de Moraes, também está sofrendo sanções do governo norte-americano, como a revogação do visto (atingindo outros sete ministros do STF e salvando apenas os ministros declaradamente aliados de Bolsonaro) e o acionamento, no mesmo dia do decreto das tarifas, da Lei Magnitsky, que causará uma série de dificuldades de uso de serviços bancários e digitais internacionais. Além disso, Trump iniciou investigação contra o Pix, sistema digital simples e gratuito de transferência de dinheiro brasileiro, que é extremamente popular.
Existem outros motivos para tarifas tão agressivas sobre o Brasil, como o enfrentamento à articulação dos BRICS (grupo de cooperação com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o apoio às bigtechs contra possíveis leis de regulamentação que estão sendo discutidas no Brasil e, claro, a mentira de que o EUA tem déficit comercial com o país.Na verdade, os EUA têm um saldo de superávit de US$ 48 bilhões nos últimos 28 anos com o Brasil.
Como em outros casos, a tarifa decretada contra o Brasil no dia 30 de julho acabou sendo mais fraca do que a ameaça inicial, com isenção e tarifas menores para muitos produtos, inclusive os que não são produzidos nos EUA. No fim, estima-se que a perda no valor das exportações brasileiras aos EUA acabe pela metade em relação à ameaça original.
Como está o Brasil com o ataque de Trump?
Eduardo Bolsonaro, filho de Bolsonaro e deputado federal, está há cinco meses nos EUA articulando forças políticas para enfrentar o processo judicial do pai. Ele sempre foi a figura mais articuladora e ideológica com a extrema-direita internacional. Acabou nas costas dele a culpa pelo tarifaço, o que obviamente pegou muito mal com a opinião pública brasileira em geral, incluindo a grande burguesia. Ele foi aos EUA principalmente para construir algum tipo de ameaça e sanções ao STF, mas talvez não contasse com o tarifaço de Trump ou a repercussão negativa no Brasil, inclusive entre apoiadores do bolsonarismo.
Apesar do crescimento da organização da extrema-direita internacionalmente, o episódio causou crise e divisões na extrema-direita no Brasil. Além de seu maior líder estar em apuros, diversos outros dirigentes, incluindo alguns governadores de estados, estão apostando na queda de Bolsonaro e lutando pelos seus despojos para a eleição presidencial de 2026.
Estes possíveis candidatos, como Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, o estado mais rico do país, querem os votos de Bolsonaro, mas querem mostrar maior responsabilidade com a burguesia que, obviamente, tem muito dinheiro a perder com as tarifas. Tarcísio até se meteu a querer negociar com os EUA, o que deixou Eduardo Bolsonaro bastante zangado, soltando impropérios contra ele nas redes sociais.
Em relação a Bolsonaro, com as suas articulações nos EUA, Eduardo apenas conseguiu uma tornozeleira eletrônica para o seu pai, um dispositivo que mostra onde o Bolsonaro se encontra em tempo real, a necessidade de ele estar em seu domicílio durante todas as noites e fim de semana, a apreensão de celular e outros equipamentos eletrônicos e o impedimento de ele dar entrevistas ou se manifestar em redes sociais ou outros meios públicos, decisão do ministro Alexandre de Moraes.
A classe trabalhadora organizada e todo o setor progressista da população espera ansiosamente pela prisão de Bolsonaro, que pode ocorrer a qualquer momento. Ele não só foi mentor da tentativa de golpe, como culpado de muitos outros crimes, desde roubo e corrupção até negligência deliberada na pandemia e incitação de fazendeiros para assassinar indígenas e queimar florestas.
Lula ganhou popularidade com a tarifa
Quem saiu ganhando até agora com essa história toda foi Lula e o governo federal, algo parecido com o que aconteceu em outros países ameaçados pelas tarifas de Trump, como o Canadá. A chantagem de Trump fez subir a aprovação de Lula em pesquisa para 43% (subiu 3%) , revertendo a tendência de queda e estimulou o governo e o Partido dos Trabalhadores a criarem uma grande campanha de marketing em torno da soberania nacional:“O Brasil é dos brasileiros”.
A burguesia está muito preocupada, já que está tendo prejuízos financeiros com esta tarifa e perdeu toneladas de mercadorias nos portos nas últimas semanas. Ela não gosta da atitude da família Bolsonaro e tende a abandoná-los, como está sendo no processo judicial, mas pressionou Lula para uma negociação, acusando-o de radical de esquerda que prefere ter uma retórica anti-americana do que conversar. O governo tentou negociar, mas pouco conseguiu, muito pela radicalidade de Trump. Mesmo assim, a isenção de vários produtos no decreto do dia 30 deixou o governo Lula com boa imagem. Por outro lado, uma retórica de soberania cresce e se apoia na possibilidade de alternativas à longa história de tutela e dependência norte-americana, como o próprio BRICS.
De fato, a China é o maior parceiro comercial brasileiro, não exatamente pela posição de esquerda dos governos do PT, mas pelo crescimento explosivo do país asiático das últimas décadas que sugou commodities brasileiras, principalmente ferro e soja. Lula e o PT nunca propuseram, e nem agora pretendem, apresentar de fato um projeto realmente soberano ou minimamente desenvolvimentista, até porque o centro da sua política é o da austeridade fiscal em conciliação com setores conservadores da burguesia.
A saída é pela esquerda
Apesar da preocupação da burguesia, a verdadeira afetada pelas tarifas e as guerras economicas será a classe trabalhadora brasileira e os seus setores mais vulnerabilizados, como as mulheres, LGBT+, o povo negro e indígena. O projeto de Lula e PT é sempre o mais do mesmo, não deve propor nada de diferente após as tarifas e vai fazer o mesmo se ganhar as eleições do próximo ano. Eles continuarão pedindo para o povo que vote neles que eles vão trazer prosperidade e justiça social ao povo por dentro das instituições, ao mesmo tempo que dirigem as organizações e movimento da classe trabalhadora para que continuem esperando.
Eles constroem a ilusão de que acordos comerciais como o BRICS ou o Mercosul (Mercado Comum na América do Sul) vão resolver os problemas econômicos através do diálogo. A sede por lucros da grande burguesia, seja chinesa ou norte-americana, não vai se acalmar pelo diálogo e entendimento de governantes que sempre estiveram de mãos dadas com a classe dominante.
A saída só pode surgir a partir da organização independente da classe trabalhadora, a grande força e base econômica da sociedade, em unidade internacional. A classe trabalhadora unida pode exigir o fim das tarifas, construir grandes movimentos internacionais, com greves, ocupações, bloqueios de estradas e organização pela base, exigir o fim do genocídio e das guerras. Ela pode tomar conta do que é seu e construir uma economia soberana, baseada nas necessidades e direitos de todos os povos e na preservação do planeta Terra.





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