Lições difíceis para a esquerda a partir da vida e da morte de Malcolm X - el-Hajj Malik el-Shabazz
- Drew Frayne
- May 19
- 20 min read

A vida pessoal e política de el-Hajj Malik el-Shabazz, conhecido mundialmente como Malcolm X, é um mapa do racismo do século XX e da resistência à supremacia branca nos EUA. Sua vida poderosa contém muitas lições para os revolucionários de hoje, especialmente para "o homem branco" (o que inclui o autor deste artigo).
Desde suas experiências infantis com a violência da supremacia branca, a opressão e os despejos feito pelo Estado, até sua rejeição ao reformismo de “esquerda” branda do presidente democrata John F Kennedy, ele entendeu que a existência da classe oprimida negra nos EUA não foi um acidente - foi uma base necessária para o império americano.
Ao contrário dos liberais e até mesmo de muitos da esquerda, ele se recusou a defender o que era meramente "possível" no sistema; ele lutou pelo que era necessário. A evolução de sua política mais tarde em sua vida - adotando uma perspectiva mais internacionalista, multirracial, anti-imperialista e a favor das mulheres - demonstrou uma clareza radical que continua sendo essencial para os revolucionários de hoje.
A profunda desconfiança de Malcolm em relação aos liberais brancos e à esquerda era bem merecida. As organizações marxistas - tanto os stalinistas e trotskistas - tiveram dificuldades para recrutar membros negros em grande parte devido ao racismo interno. Os sindicatos historicamente , trataram as lutas do povo negro como secundárias em relação às questões econômicas e deixando de enfrentar o racismo dentro de suas próprias fileiras. Durante sua vida, os principais sindicatos deixaram os trabalhadores negros fora dos ganhos das lutas e do aumento de qualidade de vida, ajudando a criar divisões dentro da classe trabalhadora.
Hoje, os marxistas tendem a se concentrar em “corrigir” as idéias de Malcolm e especular se ele teria se tornado um socialista, em vez de se preocupar com o motivo pelo qual nunca o fez.
As consequências do fracasso da esquerda em integrar raça e classe só se aprofundaram no século XXI.
A crise econômica 2008 atingiu a comunidade negra nos EUA desproporcionalmente., A Grande Recessão, fraturou ainda mais a classe trabalhadora. A ausência de uma esquerda organizada e militante nos EUA permitiu que reacionários como Trump explorassem o ressentimento, enquanto bilionários como Elon Musk se apresentavam como figuras anti-establishment.
O fracasso da esquerda em priorizar as lutas dos negros não é apenas um fracasso moral - é um fracasso estratégico. Sem reconstruir a confiança e tornar o antirracismo central na política da classe trabalhadora, a esquerda permanecerá irrelevante, cedendo terreno às forças reacionárias. A repressão do Estado aos movimentos anticapitalistas negros, desde os Panteras Negras até o MOVE (grupo anarco-primitivista negro com sede na Filadélfia nos EUA, que foi bombardeado de um helicóptero pela polícia da Filadélfia em 1985), deveria deixar claro que o antirracismo combinado com o anticapitalismo é o maior medo da classe dominante.
No entanto, há esperança. Os jovens brancos de hoje, especialmente as mulheres jovens, estão mais antirracistas do que nunca, e sua compreensão da opressão interseccional lhes dá uma base poderosa para a solidariedade. O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) mostrou que uma unidade significativa é possível, com jovens ativistas brancos assumindo riscos reais ao lado de organizadores negros.
Agora, o movimento global contra o genocídio em Gaza está radicalizando outra geração, expondo a hipocrisia dos liberais e os laços profundos entre o imperialismo, a supremacia branca e o capitalismo.
Não estamos em um momento revolucionário como o da década de 1960 - estamos em um período de ascensão do autoritarismo de extrema direita, racista e misógino. Mas isso só torna os riscos mais claros. A maior lição de Malcolm X foi que a luta pela libertação exige organização, clareza e ação. O poder de esmagar o racismo e o capitalismo está em nossas mãos. Devemos aproveitá-lo e nos organizar.
Início da vida de Malcolm até a sentença na prisão
Desde antes mesmo de nascer, a família de Malcolm X foi vítima do terror da supremacia branca. Seu pai, Earl Little, era um garveyista (apoiador das ideias de Marcus Garvey), que acreditava no auto-separatismo dos negros e na repatriação da África. O simples credo garveyista, que defendia que os negros construíssem uma vida independente para si mesmos, fez dele um alvo.
A Ku Klux Klan perseguiu a família em Omaha, Nebraska, rondando sua casa a cavalo, quebrando janelas e ameaçando com violência. Eles foram forçados a fugir para Lansing, Michigan, mas a segurança nunca chegou - nem mesmo em um dos estados mais ao norte dos EUA que era pra ser supostamente mais seguro.
Seus novos vizinhos, predominantemente brancos, se opuseram a ter uma família negra morando nas proximidades e, depois de entrarem com um processo judicial contra a familia Little, um juiz determinou o despejo. A terra era apenas para brancos. Earl Little, é claro, recusou-se a se mudar e a situação se agravou.
Em 1929, sua casa foi totalmente incendiada, provavelmente pela Legião Negra, um grupo de supremacia branca ativo na área. Earl Little foi acusado pela polícia de ter provocado o incêndio, em outro ato de intimidação, embora as acusações tenham sido retiradas posteriormente. Dois anos depois, Earl Little foi encontrado morto, com o corpo mutilado nos trilhos do trem. A polícia considerou o fato um suicídio e a seguradora se recusou a pagar a indenização para o seguro de vida.
Sem nada, a mãe de Malcolm, Louise, lutou para manter a família unida por vários anos, mas o Estado interveio - não para ajudar, mas para separá-los. Ela foi declarada "incapaz" e institucionalizada, enquanto Malcolm X e seus irmãos foram colocados em um orfanato.
O jovem Malcolm X se destacava na escola, muitas vezes sendo o único negro em sua classe, mas professores racistas impuseram limites ao seu futuro. Quando ele disse que queria ser advogado, o professor o chamou de insultos racistas e lhe disse para ser carpinteiro.
A mensagem era clara: os Estados Unidos não tinham lugar para a ambição ou o intelecto dos negros. Desiludido, ele abandonou o ensino médio e foi empurrado para os únicos caminhos que a sociedade deixava em aberto: trabalho barato ou crime.
Aos 20 anos, Malcolm X foi preso por roubo e condenado a dez anos na Prisão Estadual de Charlestown, em Boston, Massachusetts. A sentença foi muito mais severa do que a das mulheres brancas que foram pegas com ele. Ele não foi apenas condenado com severidade, mas também foi transformado em um exemplo. Ele ficou uma década atrás das grades, não apenas por roubo, mas por ousar cruzar as linhas raciais.
A polícia pressionou as mulheres brancas com quem ele foi preso para que o acusassem de estupro, mas elas se recusaram. Isso não importava. Malcolm X observou em sua autobiografia que o tribunal parecia mais indignado com o fato de ele ter estado com mulheres brancas do que com o roubo em si. A mensagem era clara: saia da linha e o sistema o esmagará.
Mas a prisão não quebrou Malcolm - ela o transformou.
Politização de Malcolm na prisão
Na prisão, Malcolm encontrou um novo propósito. Seus irmãos continuaram o ativismo dos pais e, por meio deles, ele foi apresentado à Nação do Islã (NOI). Semelhante ao movimento garveyista, a NOI defendia o separatismo negro, mas também enquadrava o sofrimento dos negros como resultado da opressão branca e pregava a autodisciplina e o orgulho racial.
Ávido por conhecimento, ele devorava livros, educava-se e adotava os ensinamentos da NOI. Depois de "apagar as luzes", ele lia pela fresta de luz que entrava em sua cela pelo corredor, pulando de volta para a cama e fingindo dormir quando o guarda passava.
Ele lia tudo o que encontrava pela frente - história, filosofia, religião, literatura. Ele era especialmente atraído pela história dos negros, aprendendo sobre escravidão, colonialismo, resistência e a devastação global do homem branco.
"Percebi, enquanto lia, como o homem branco coletivo não passava, na verdade, de um oportunista pirata que usava maquinações faustianas para fazer do próprio cristianismo sua cunha inicial em conquistas criminosas. Primeiro, sempre "religiosamente", ele impôs rótulos de "pagão" e "pagã" às antigas culturas e civilizações não brancas. Com o cenário assim montado, ele então usou suas armas de guerra contra suas vítimas não brancas."
"Nem mesmo Elijah Muhammad poderia ter sido mais eloquente do que esses livros foram ao fornecer provas incontestáveis de que o homem branco coletivo agiu como um demônio em praticamente todos os contatos que teve com o homem não branco coletivo do mundo. " (pág. 190-191)
A educação tornou-se sua libertação. Quando saiu da prisão, ele não estava apenas livre - estava transformado.
Foi seu despertar político, o momento em que Malcolm Little começou a se transformar em Malcolm X.
Reflexão sobre o racismo nos EUA
O que aconteceu com Malcolm X e a família Little é um estudo de caso sobre o racismo americano. O terror da supremacia branca trabalhou em conjunto com as políticas estatais para manter as famílias negras despossuídas nos EUA. Muitas vezes, o resultado foi a criminalização e o encarceramento de jovens negros.
À medida que os negros se deslocavam para o norte durante a Grande Migração, buscando trabalho e uma maneira de escapar de Jim Crow, policiais, supremacistas brancos, vizinhos brancos "normais" e os bancos garantiam que eles continuassem impedidos de usufruir dos direitos básicos que os trabalhadores brancos consideravam garantidos.
O Estado reforçou essa divisão na década de 1930 por meio do redlining, um sistema que sistematicamente impedia que as famílias negras tivessem acesso à casa própria, negando-lhes hipotecas e classificando suas comunidades como de "alto risco". Tudo isso aconteceu com a cooperação generalizada, a cumplicidade e a bênção da população branca.
Após a escravidão, isso garantiu o desenvolvimento de uma classe trabalhadora negra empobrecida, enquanto uma classe “media” branca era sustentada como a base estabilizadora do capitalismo dos EUA.
Os principais sindicatos da época - como a American Federation of Labor (AFL) - excluíam ativamente os trabalhadores negros, seja por meio de proibições raciais diretas ou pela estruturação de seus locais de trabalho de forma a manter os trabalhadores negros excluídos dos ofícios especializados.
Até mesmo o Congresso de Organizações Industriais (CIO), mais progressista, embora mais abertos a trabalhadores negros, muitas vezes não priorizava suas lutas, deixando-os vulneráveis à exploração dos empregadores e às práticas racistas de contratação.
Sem a proteção dos sindicatos, os trabalhadores negros eram forçados a trabalhar nos empregos mais perigosos e com salários mais baixos, muitas vezes como fura-greves - um papel para o qual foram empurrados, mas que os sindicatos brancos usavam para justificar mais exclusão. Essa divisão deliberada enfraqueceu toda a classe trabalhadora, garantindo que o tipo de capitalismo racista dos EUA continuasse a prosperar, mantendo os trabalhadores negros no fundo do poço, enquanto os trabalhadores brancos obtinham os benefícios limitados de uma classe média em ascensão - "benefícios" apenas em relação à miséria imposta aos negros americanos.
A transformação política de Malcolm X: A Nação do Islã
Entrar para a Nação do Islã enquanto estava na prisão marcou um ponto de virada profundo na vida de Malcolm X. A organização lhe proporcionou disciplina e propósito - um lar estruturado de amor paternal e redenção espiritual em um mundo criado para quebrá-lo e envergonhá-lo. A NOI rejeitou a integração como um caminho a seguir e insistiu na autossuficiência como a única resposta à supremacia branca.
Em uma América que sistematicamente castrou homens negros como Malcolm, o programa da NOI era revolucionário: orgulhe-se de sua identidade, dependa de sua própria força e construa sua comunidade a partir do zero.
Elijah Muhammad, líder da Nação do Islã, tornou-se uma figura paterna para Malcolm X. Sob sua orientação direta, Malcolm encontrou um senso renovado de honra e orgulho, combatendo os efeitos desumanizadores de uma sociedade racista.
Com seu intelecto excepcional e seu talento para falar em público, Malcolm X rapidamente surgiu como o rosto público da Nação do Islã. Seus discursos inflamados desmantelaram os mitos da supremacia branca, quebrando a narrativa de um país construído sobre a exploração e o domínio.
Sua poderosa oratória e suas incansáveis habilidades de organização foram um catalisador para o crescimento da NOI, atraindo grandes públicos e estimulando a criação de novas mesquitas em todo o país.
Além do crescimento da NOI, Malcolm X revigorou a própria noção de orgulho negro para muitos negros nos EUA, especialmente para os homens negros. Em uma sociedade que há muito tempo havia despojado os homens negros de sua dignidade, seus discursos proporcionaram orgulho, respeito próprio e força. Vale a pena citar sua frase na íntegra sobre como os negros são ensinados a odiar a si mesmos:
Quem lhe ensinou a odiar a textura de seu cabelo? Quem lhe ensinou a odiar a cor de sua pele? A tal ponto que você descolore-se, para ficar como o homem branco. Quem lhe ensinou a odiar o formato de seu nariz e o formato de seus lábios? Quem o ensinou a odiar a si mesmo, desde o topo da cabeça até as solas dos pés? Quem o ensinou a odiar sua própria espécie? Quem o ensinou a odiar a raça à qual você pertence a ponto de não querer estar perto dos outros? Não... Antes de perguntar ao Sr. Muhammad se ele ensina o ódio, você deve se perguntar quem o ensinou a odiar ser o que Deus fez de você.
Ao abraçar a NOI, Malcolm X não apenas redefiniu sua própria identidade, mas também ajudou a forjar um novo caminho para a América negra - um caminho construído com base nos princípios de autossuficiência, orgulho inabalável e busca incessante pela liberdade.
A rápida ascensão de Malcolm a "segundo no comando" de fato criou muita especulação sobre Malcolm X ser o sucessor automático de seu mentor, algo que ele negava regularmente e deixava claro em todos os seus discursos e entrevistas que estava ali para pregar a palavra do Honorável Elijah Mohammad.
Essa dinâmica logo geraria tensão entre os dois homens, em grande parte fomentada pelos filhos de Elijah Mohammad, que tinham inveja do poder concedido a X. A NOI havia adotado o capitalismo como meio de arrecadar fundos e tinha uma série de pequenas empresas bem-sucedidas que mantinham a organização e sua liderança com bons recursos.
A pressão sobre Malcolm X aumenta com a ascensão de sua estrela
O racismo nos Estados Unidos não foi um acidente - ele foi planejado para manter os negros subjugados. O racismo de extrema direita e a repressão estatal funcionaram como motores gêmeos da opressão. Linchamentos, segregação e violência policial brutal não eram aberrações; eram instrumentos cotidianos usados para privar as comunidades negras de dignidade e liberdade.
Uma peça fundamental na engrenagem da repressão estatal era J. Edgar Hoover, cujo FBI via Malcolm X como uma ameaça terrível - temido como um possível "messias negro" capaz de galvanizar uma revolta em massa contra a ordem estabelecida.
Por meio de programas como o COINTELPRO, Hoover visava implacavelmente a NOI e Malcolm, vigiando e tentando minar sua influência mesmo antes de sua ascensão à fama - Malcolm X costumava "dar as boas-vindas" aos agentes disfarçados na plateia no início de seus discursos. O medo de Hoover era claro: uma população negra unificada e desperta poderia desmantelar as bases do capitalismo racista dos EUA.
Ao mesmo tempo, o reformismo de esquerda suave distraiu muitos com a ilusão de mudança. Os políticos liberais, inclusive JFK, proferiam uma retórica inflamada sobre os direitos civis, enquanto suas ações eram fracas ou inexistentes.
Malcolm X criticou duramente essa hipocrisia, bem como a abordagem pacífica de líderes como Martin Luther King Jr., argumentando que essas estratégias eram extremamente inadequadas diante da violência sistêmica e do racismo. Seguir o exemplo de Gandhi, argumentou X, não era viável porque os negros nos EUA eram minoria, enquanto na Índia os seguidores de Gandhi superavam em muito o número de colonizadores britânicos ocupantes.
Os sindicatos trabalhistas tiveram um , na melhor das hipóteses, durante o clima revolucionário dos anos sessenta. Oferecendo apoio retórico ao movimento, não houve nenhuma tentativa consistente de mobilizar seus membros ou de conectá-los às lutas no local de trabalho que eram continuamente prejudicadas pelo racismo e pela presença de uma classe oprimida de pessoas que o Estado e os patrões podiam usar como bode expiatório ou como mão de obra barata não sindicalizada.
Mas a década de 1960 foi uma época que prometia revolução. A voz intransigente de Malcolm X surgiu como um farol da resistência radical dos negros em um ambiente em que poucos grupos revolucionários, e certamente nenhum grupo marxista na época, atraíam os negros americanos.
A oposição à brutalidade dos Estados Unidos no Vietnã estava aumentando. Uma onda de revoluções anticoloniais havia abalado o establishment global pós-Segunda Guerra Mundial, principalmente no norte da África e nas nações de língua árabe.
Esse clima, combinado com o crescente movimento pelos direitos civis, aumentou a politização dos discursos anteriormente espirituais do Ministro Malcolm, o que causou grande preocupação à velha guarda da NOI. Eles sempre tentavam impedi-lo, exigindo que ele "diminuísse" a política e a tendência revolucionária de seus discursos.
Nesse ambiente político altamente volátil, Malcolm X foi pressionado por todos os lados. Dentro da NOI, seu relacionamento com Elijah Muhammad estava se desgastando. A carga de trabalho era intensa e ele mal dormia. A mídia o retratava como um bandido violento. Havia ameaças constantes à sua vida por parte dos supremacistas brancos. Ele era constantemente vigiado pelas forças sinistras do Estado. E as críticas da ala liberal do movimento pelos direitos civis dos negros eram constantes. Ele continuou a resistir à pressão, mas algo, em algum lugar, tinha de ceder.
Rompimento com a Nação do Islã
A frustração crescente de Malcolm X com a Nação do Islã foi tanto uma crise pessoal quanto um despertar político. Ele começou a perceber a recusa rígida da NOI em se envolver em uma luta política genuína - uma postura que limitava sua mensagem ao separatismo sem desafiar as forças sistêmicas da opressão. Sua desilusão se aprofundou com a corrupção cada vez mais flagrante dentro da organização.
Malcolm X sofreu uma grande traição quando soube do abuso de mulheres jovens por Elijah Muhammad na NOI. Ele teve filhos com várias de suas secretárias adolescentes e depois as abandonou, forçando-as a levá-lo ao tribunal para obter apoio financeiro. Ser hipócrita no Islã e na NOI especificamente era visto como um grave fracasso como muçulmano.
Depois de ouvir rumores persistentes, Malcolm X falou diretamente com as jovens para descobrir a verdade. Logo depois, ele confrontou seu mentor com as alegações e, embora Elijah Muhammad tenha concordado em pedir perdão, o destino de X como inimigo da NOI foi selado daquele momento em diante.
A chance de a liderança da NOI se livrar de Malcolm X surgiu após o assassinato de JFK em novembro de 1963. A NOI havia proibido todos os membros de comentar sobre o assassinato, mas quando questionado por um repórter, Malcolm declarou corajosamente que "as galinhas voltaram para o poleiro", uma declaração que fazia alusão à violência imperial dos EUA.
A NOI usou esse fato para suspendê-lo rapidamente de falar por noventa dias. Malcolm se separaria da organização antes de retomar seu papel como ministro da NOI.
Malcolm X sabia que era um homem marcado, e ele mesmo conta a história da melhor maneira possível:
Qualquer muçulmano saberia que minha declaração "galinhas voltando para o poleiro" tinha sido apenas uma desculpa para colocar em ação o plano para me tirar de lá. E o primeiro passo já havia sido dado: os muçulmanos ficaram com a impressão de que eu havia me rebelado contra o Sr. Muhammad. Agora eu podia prever a segunda etapa: eu permaneceria "suspenso" (e mais tarde seria "isolado") indefinidamente. A terceira etapa seria provocar algum muçulmano ignorante da verdade para que ele mesmo se encarregasse de me matar como um "dever religioso" - ou me "isolar" para que eu desaparecesse gradualmente da cena pública.
Essa ruptura foi motivada por estratégias políticas divergentes e contradições insolúveis na aplicação de seus princípios fundamentais - princípios que Malcolm ainda defendia, mas que seu mentor havia abandonado ou nos quais nunca acreditou de fato.
Foi um momento profundo de crescimento em que Malcolm reconheceu que a luta pela libertação dos negros tinha de enfrentar não apenas a injustiça racial, mas também o controle da liderança podre. Ao romper com a NOI, Malcolm X começou a traçar um caminho em direção a uma visão mais expansiva e radical - uma visão que rejeitava reformas superficiais e exigia uma verdadeira mudança sistêmica.
Sua luta com o NoI atrairia a simpatia de qualquer pessoa que tenha lutado contra uma liderança decrépita e burocrática em sua própria organização. Assim como a desmoralizante falta de solidariedade que pode advir da revelação das falhas da liderança.
Malcolm X tinha certeza de que os membros da NOI sairiam em massa quando soubessem dos fracassos da liderança. Não foi o que aconteceu. A lealdade à liderança e ao status quo era forte demais, até mesmo para o irmão de Malcolm, que permaneceu como membro da NOI. Malcolm buscou novas conexões espirituais e políticas mais distantes.
Malcolm X sobre as mulheres - e sua aparente homossexualidade
A NOI era uma organização decididamente patriarcal, com crenças e práticas patriarcais. Malcolm também tinha essas opiniões e falava sobre "nossas mulheres" e como os "homens de verdade" deveriam proteger suas mulheres. No entanto, ele reconheceu o que hoje seria chamado de dinâmica "interseccional" da opressão das mulheres negras nos EUA, em 1962:
"A pessoa mais desrespeitada nos Estados Unidos é a mulher negra. A pessoa mais desprotegida nos Estados Unidos é a mulher negra. A pessoa mais negligenciada nos Estados Unidos é a mulher negra."
Malcolm ainda mantinha opiniões conservadoras e patriarcais sobre as mulheres após sua saída da NOI, algumas das quais ele expressou em sua autobiografia ao falar sobre a "influência europeia" e a "fraqueza moral" das mulheres libanesas em comparação com as mulheres sauditas, mais conservadoras. Essas observações foram feitas em abril de 1964.
No entanto, suas opiniões mudaram rapidamente à medida que ele continuava suas viagens e, em uma coletiva de imprensa, alguns meses depois, apresentou um entendimento mais desenvolvido :
"Em todos os países que você visita, geralmente o grau de progresso nunca pode ser separado da mulher. Se você está em um país progressista, a mulher é progressista. Se estivermos em um país que reflete a consciência da importância da educação, é porque a mulher está ciente da importância da educação. Mas em todos os países atrasados, você verá que as mulheres são atrasadas, e em todos os países onde a educação não é enfatizada, é porque as mulheres não têm educação. Portanto, uma das coisas de que fiquei totalmente convencido em minhas viagens recentes é a importância de dar liberdade às mulheres, dar a elas educação e incentivá-las a sair por aí e transmitir o mesmo espírito e compreensão a seus filhos. Estou francamente orgulhoso das contribuições que nossas mulheres fizeram na luta pela liberdade e sou a favor de dar a elas toda a liberdade possível, porque elas fizeram uma contribuição maior do que muitos de nós, homens."
O entendimento evolutivo de Malcolm X sobre a opressão de gênero não foi uma jornada solitária - foi moldado pelas mulheres negras que o ensinaram, desafiaram e influenciaram durante toda a sua vida. Desde sua mãe, Louise Little, uma feroz organizadora Garveyista, até pensadoras radicais como Queen Mother Moore, Victoria Garvin, Fanny Lou Hamer , e Maya Angelou, as mulheres negras foram fundamentais para sua formação política.
As discussões sobre a sexualidade de Malcolm a ganharam atenção nas últimas décadas, com alguns historiadores sugerindo que ele pode ter se envolvido em relacionamentos com pessoas do mesmo sexo em sua juventude. Incluindo Manning Marable, em Malcolm X: A Life of Reinvention (Malcolm X: Uma vida de reinvenção), e Bruce Perry em Malcolm: The Life of a Man Who Changed Black America (Malcolm: A vida de um homem que mudou a América negra). Entretanto, essas alegações foram recebidas com ceticismo, principalmente pela família de Malcolm e por alguns acadêmicos, que questionam sua precisão e os motivos por trás de tais interpretações.
Independentemente de Malcolm X ter se identificado pessoalmente como gay, é importante reconhecer essas discussões, não apenas para fins de precisão histórica, mas também porque a sexualidade dos líderes negros é frequentemente apagada ou minimizada para se adequar a narrativas que priorizam a masculinidade tradicional.
O reconhecimento da complexidade da sexualidade entre os revolucionários negros desafia retratos heteronormativos rígidos e afirma que a luta pela libertação negra sempre incluiu vozes queer. A vida e o legado de Malcolm X permanecem radicais independentemente de sua identidade sexual, mas a conversa em si destaca a necessidade mais ampla de abraçar a humanidade plena dos líderes negros sem apagar ou distorcer aspectos de suas identidades.
O assassinato no Audubon Ballroom
Nos meses que antecederam seu assassinato, Malcolm X sabia que era um homem marcado. O FBI, a polícia de Nova York e a CIA monitoravam todos os seus movimentos. Livre das restrições da NOI, o Estado temia seu potencial como um "messias negro" que poderia galvanizar os negros americanos cada vez mais radicalizados.
Durante suas viagens às ex-colônias africanas e árabes libertadas, Malcolm X tornou-se o embaixador não oficial de fato da América Negra. Ele não era mais apenas uma ameaça doméstica, mas sua presença estava começando a ameaçar o imperialismo dos EUA no cenário mundial. Suas experiências durante essas viagens o levaram a tirar conclusões mais claramente anticapitalistas.
As ameaças de seus antigos irmãos da NOI também não diminuíram. Em 14 de fevereiro de 1965, sua casa foi bombardeada com sua família dentro - um aviso claro. Ele e sua família sobreviveram, mas ele sabia que o fim estava próximo.
Uma semana depois, em 21 de fevereiro, ele foi morto a tiros no Audubon Ballroom. Entre seus "guarda-costas" estava Gene Roberts, um informante disfarçado da polícia de Nova York e, apesar do policiamento intenso do Harlem, não havia policiais em lugar algum. Investigações posteriores revelaram o profundo envolvimento do Estado, com o FBI e a NYPD ocultando provas que poderiam ter evitado o assassinato.
A morte de Malcolm não foi apenas uma rixa da NOI - foi um assassinato político, sancionado por um sistema que o considerava perigoso demais para viver. O medo de J. Edgar Hoover de um "Messias Negro" havia sido extinto - por enquanto
O que a esquerda deve aprender: Não assumir a confiança, mas conquistá-la
A profunda desconfiança de Malcolm X em relação aos brancos não era paranoia - era uma lição adquirida com muito esforço. E sua desconfiança se estendia à esquerda. Repetidamente, a esquerda branca tratou as lutas dos negros como secundárias, insistindo que a luta de classes deve vir em primeiro lugar e, ao mesmo tempo, deixando de enfrentar o racismo em seus próprios movimentos.
Durante a vida de Malcolm, os principais sindicatos rotineiramente excluíam os trabalhadores negros, reforçando a desigualdade econômica em vez de combatê-la. Décadas mais tarde, a mesma dinâmica se desenrolou quando Bernie Sanders, apesar de seu populismo econômico, não conseguiu tornar a justiça racial central em suas campanhas - o que lhe custou o apoio fundamental dos eleitores negros em 2016 e 2020.
Os marxistas e trotskistas brancos geralmente tentam "corrigir" Malcolm X e lamentam que ele não fosse socialista ou especulam sobre sua futura trajetória política se tivesse vivido mais tempo, em vez de aprender com ele e com sua justificada desconfiança em relação ao "homem branco". Essa arrogância continua a custar caro para a esquerda. A confiança não é presumida - é conquistada.
Há muitas razões pelas quais Malcolm X nunca se tornou socialista ou marxista - nenhuma delas é falha dele. A repressão estatal enfrentada por grupos socialistas e revolucionários negros, como o MOVE e os Panteras Negras, deveria ser uma lição sobre a vitalidade da integração do anticapitalismo com o antirracismo. Não se pode dar trégua aos autoproclamados marxistas que descartam o racismo e as questões de opressão como "política de identidade" ou "moralismo".
As consequências do fracasso da esquerda revolucionária branca em integrar totalmente as questões de classe e raça são gritantes e se ampliaram no século XXI.
A crise economica de 2007/8 foi alimentada porempréstimos predatório direcionados a comunidades minoritarias e de pessoas negra , devastou a renda dos negros e aprofundou a disigualdade racial e economica.
A Grande Recessão e os anos subsequentes de austeridade ampliaram as divisões na classe trabalhadora, permitindo que reacionários como Trump explorassem o ressentimento, enquanto bilionários como Elon Musk agora podem se apresentar como figuras antiestablishment.
O fato de a esquerda não levar a sério as lutas dos negros não é apenas uma falha moral - é uma falha estratégica. Sem reconstruir a confiança e centralizar o antirracismo na política da classe trabalhadora, a esquerda permanecerá presa em um ciclo de irrelevância, deixando a porta aberta para que as forças reacionárias prosperem.
Conclusão
Pessoas brancas jovens de hoje, especialmente mulheres jovens, são mais antirracistas do que qualquer outra geração anterior, e sua compreensão da opressão interseccional lhes dá uma vantagem poderosa na luta que está por vir.
O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) deixou uma marca indelével, provando que a verdadeira solidariedade entre ativistas negros e brancos é possível. Diferentemente dos movimentos anteriores, em que os liberais brancos ofereciam apenas retórica vazia ou apoio limitado, o BLM viu jovens brancos nas ruas, ao lado de ativistas negros, enfrentando a brutalidade policial e a repressão estatal.
A luta contra o racismo sistêmico não é mais vista como algo separado da luta contra o capitalismo - ela é entendida como parte de uma luta mais ampla contra a opressão em todas as suas formas.
Essa mudança está se aprofundando agora com o movimento global contra o genocídio em Gaza. À medida que os governos ocidentais e os liberais milicos não oferecem nada além de simpatia performática, os jovens enxergam a hipocrisia, como fez Malcolm X, e estão sendo radicalizados em tempo real. Eles rejeitam os limites do reformismo morno e reconhecem que o imperialismo, a supremacia branca e a exploração capitalista estão profundamente ligados e precisam ser derrubados.
A vida e a morte de Malcolm X foram um espelho e uma lente de aumento para o profundo enraizamento do racismo e do imperialismo nos EUA e internacionalmente. Ele se recusou a aceitar o que era "possível" dentro do sistema e, em vez disso, lutou pelo que era necessário - uma lição que os revolucionários de hoje devem levar a sério.
Mas devemos ser claros: não estamos em um momento revolucionário como o da década de 1960. Estamos em um período de ascensão do autoritarismo de extrema direita, racista e misógino, em que as forças reacionárias estão intensificando seus ataques às liberdades civis, à dissidência e ao poder da classe trabalhadora. No entanto, isso só torna nossa tarefa mais clara - a necessidade de uma classe trabalhadora unida e organizada nunca foi tão urgente. O poder de esmagar o racismo e o capitalismo está em nossas mãos. Precisamos aproveitá-lo e nos organizar.
Os vínculos entre o racismo e o capitalismo são fortes, e ambos devem ser destruídos. Como sempre acontecia, Malcolm X foi quem melhor disse:
"Não é possível ter capitalismo sem racismo. E se você encontrar uma pessoa sem racismo e ela for capitalista, ela é como um pássaro sem asas. Ele não pode voar. O problema é o sistema. Não é possível ter capitalismo sem racismo."
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