A Indonésia explode em revolta
- Serge Jordan
- Sep 10
- 5 min read

Artigo publicado originalmente em inglês pelo Projeto para uma Internacional Marxista Revolucionária a 2 de Setembro de 2025 e publicado pelo site lutapelosocialismo.pt
Protestos explosivos eclodiram em toda a Indonésia. Foram desencadeados pelas revelações de que todos os 580 deputados embolsam obscenos 50 milhões de rupias por mês em “subsídios de habitação” — cerca de dez vezes o salário mínimo oficial em Jacarta e até vinte vezes os salários nas províncias mais pobres — além dos seus já inflacionados vencimentos. Isto num momento em que milhões estão a ser esmagados por drásticas medidas de austeridade, impostos galopantes, despedimentos massivos no setor industrial e uma brutal crise do custo de vida.
Os protestos começaram na segunda-feira passada, com milhares de estudantes e trabalhadores a manifestarem-se em frente ao Parlamento na capital, acusando os deputados de estarem desligados da dura realidade dos indonésios comuns. Alimentados pela violenta repressão estatal, intensificaram-se e espalharam-se depois para outras grandes cidades, transformando-se em algo semelhante a uma insurreição nacional.
“Assassinos! Assassinos!”
A raiva atingiu o ponto de ebulição após o assassinato de Affan Kurniawan, um jovem pobre de 21 anos, estafeta de motorizada, atropelado por um veículo blindado da polícia na noite de quinta-feira em Jacarta — um sinistro lembrete de como a vida da classe trabalhadora não tem valor para o regime. Imediatamente após o incidente, milhares de estafetas e outros manifestantes cercaram uma esquadra de polícia exigindo justiça. No dia seguinte, centenas de trabalhadores acompanharam o caixão de Affan, enquanto os gritos de “Assassinos! Assassinos!” ecoavam pelas ruas do centro de Jacarta.
Nos dias seguintes, registaram-se tumultos e violentos confrontos de rua; esquadras, edifícios estatais locais e casas de políticos — símbolos da ganância e corrupção da elite dirigente — foram incendiados ou saqueados por manifestantes furiosos em todo o país, em cenas reminiscentes da insurreição Aragalaya de 2022 no Sri Lanka. Na sexta-feira à noite, pelo menos três pessoas morreram após o incêndio de um edifício do conselho municipal na cidade de Makassar. Pelo menos oito pessoas foram mortas desde o início dos protestos na semana passada, mais de mil foram detidas e 20 estão alegadamente “desaparecidas”.
No domingo, sob intensa pressão, o presidente Prabowo Subianto recuou, anunciando a redução das ajudas de custo dos parlamentares, bem como a suspensão temporária das suas viagens ao estrangeiro. Ao mesmo tempo, definiu o tom para uma repressão estatal em larga escala, referindo-se a atos de “terrorismo” e “traição” e ordenando às forças armadas e à polícia que atuassem com mão pesada contra “saqueadores e revoltosos”.
Ódio generalizado à elite
Devido ao enorme destacamento das forças estatais — incluindo pontos de controlo policiais, patrulhas militares e atiradores de elite em locais estratégicos — várias organizações estudantis, sindicais e da sociedade civil decidiram suspender os protestos na segunda-feira, temendo uma escalada da repressão governamental. Apesar disso, centenas de manifestantes voltaram a concentrar-se em várias cidades, desafiando as ameaças de repressão — nomeadamente junto ao Parlamento em Jacarta, em Palembang, Banjarmasin, Yogyakarta e Makassar.
Embora no momento em que escrevemos os protestos pareçam ter abrandado, as concessões de última hora de Prabowo e a sua ameaça de maior repressão não conseguirão travar a maré de fúria que continua a ferver por baixo.
Estes protestos expressam não apenas a indignação face aos “excessos” parlamentares, mas também a raiva profunda contra um sistema assente em desigualdades estruturais, pilhagem pela elite e autoritarismo crescente do Estado — sempre à custa dos milhões que lutam para sobreviver. As instituições dominantes são vistas como tão apodrecidas e desonestas que os manifestantes têm exigido “Bubarkan DPR” — a dissolução do próprio Parlamento.
A economia indonésia enfrenta também uma grave crise de emprego, que deverá agravar-se com os efeitos das novas tarifas da administração Trump sobre os produtos do país. Segundo o próprio Ministério do Trabalho, mais de 40 mil trabalhadores foram despedidos nos seis meses entre janeiro e junho — sobretudo nas indústrias transformadora, retalhista e mineira — um aumento de 32,1% em relação ao mesmo período do ano anterior. Fontes sindicais estimam que as perdas de empregos possam atingir as centenas de milhares nos próximos meses.
Neste contexto, a fúria popular tem vindo a acumular-se há bastante tempo, e esta insurreição é apenas a sua mais recente e aguda expressão.
Em agosto de 2024, ainda antes de Prabowo tomar posse, a Indonésia já tinha sido abalada por protestos de massas contra um plano para reescrever as regras eleitorais do país. Em fevereiro deste ano, os estudantes lançaram uma campanha nacional chamada “Indonesia Gelap” — “Indonésia às escuras” — denunciando os cortes orçamentais do regime na saúde, infraestrutura pública e educação.
Em março, manifestações lideradas por estudantes varreram as principais cidades contra uma nova lei que alarga o controlo dos militares sobre o governo e as instituições civis. Centenas de ativistas pró-democracia acamparam junto ao Parlamento, com palavras de ordem como “Rejeitar o militarismo” e “De volta aos quartéis”. Essa lei marcou o regresso do dwifungsi — a “doutrina de dupla função” da ditadura do general Suharto (1967–1998), durante a qual oficiais militares ocupavam cargos-chave no governo. Esse sistema foi desmantelado após a queda de Suharto, mas Prabowo —genro de Suharto e antigo general de topo, notório por inúmeras atrocidades durante a ditadura, desde a repressão colonial em Timor-Leste e na Papua Ocidental até ao rapto de ativistas pró-democracia em Jacarta— está a tentar arrastar a Indonésia de volta ao seu passado mais sombrio.
Organizar para vencer
Ainda não passou um ano desde o início do mandato de Prabowo — eleito com maioria esmagadora — e a Indonésia já foi sacudida por várias vagas de protestos, sendo a última a mais significativa desde o movimento Reformasi de 1998 que pôs fim a 32 anos de ditadura de Suharto. Hoje, a “ordem democrática” que substituiu a ditadura tem de responder por décadas de traições — por não ter garantido democracia genuína, justiça social ou libertação do jugo do militarismo. Trata-se de uma ordem capitalista que enriqueceu oligarcas parasitas, deixando milhões na pobreza.
Tal como apontam corretamente os apelos de base à dissolução do Parlamento, nada há a esperar de uma elite política corrupta e autocentrada, atada de pés e mãos aos que concentram a riqueza da Indonésia. Até a retirada dos privilégios parlamentares foi conquistada apenas através da pressão de massas; este não é o momento de baixar a pressão, mas de usar o impulso acumulado para ir mais longe e mais fundo.
Avançar com a luta — rumo à derrubada do regime de Prabowo e a uma transformação radical da sociedade indonésia — exigirá que a classe trabalhadora esteja na linha da frente. É a única força com o número e a influência necessárias para paralisar a economia e desafiar a elite capitalista. Greves em setores-chave — mineração, indústria transformadora, transportes, plantações, turismo, logística — podem atingir o regime onde mais dói: nos lucros e no controlo da economia.
A insurreição deve alargar e aprofundar as suas reivindicações: fim de toda a interferência militar na vida civil; libertação e retirada de todas as acusações contra os manifestantes; responsabilização plena pela repressão sangrenta da polícia; reversão de todas as medidas de austeridade e novos impostos de Prabowo; salário mínimo digno ajustado à inflação; fim da terceirização do trabalho; nacionalização de qualquer indústria que ameace despedimentos ou encerramentos, sob controlo democrático dos trabalhadores.
Mas, para sustentar uma luta prolongada, a juventude revolucionária e a classe trabalhadora têm também de canalizar a sua energia, construindo as suas próprias estruturas e organizações políticas independentes e democráticas. A criação de comités de ação nos locais de trabalho, escolas, universidades e comunidades pode fornecer a base para uma nova forma de poder popular, capaz de coordenar ações em larga escala — bem como mecanismos de autodefesa coletiva contra a violência do regime.
Se sistematizados, democraticamente eleitos e responsabilizados perante o movimento, tais organismos poderiam lançar as bases de um futuro governo revolucionário de trabalhadores, jovens e oprimidos, capaz de libertar a Indonésia das garras dos oligarcas e dos generais, e de redirecionar os recursos para empregos, saúde, habitação e educação para todos. Só assim se poderão completar as tarefas inacabadas do Reformasi — trazendo verdadeira democracia e libertação social à maioria.




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