
Duas notícias relacionadas apareceram nas semanas anteriores à posse do negacionista da crise climática Donald Trump:
1. Em 2024, a temperatura média global ultrapassou uma barreira crucial, superando 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais - um nível acordado em 2015 pelos governos do mundo como crucial de permanecer abaixo para evitar mudanças climáticas irreversíveis e descontroladas.
2. A terrível realidade desse aquecimento global foi trazida à tona quando a cidade de Los Angeles nos EUA foi devastada por um inferno de incêndios florestais implacáveis, resultando em dezenas de milhares de casas destruídas, 27 (no momento em que este artigo foi escrito) mortos e inúmeros vidas arruinados.
“Drill, Baby, Drill”
Um dos primeiros atos de Trump provavelmente será retirar os Estados Unidos, o segundo maior poluidor do mundo depois da China, do Acordo Climático de Paris de 2015 pela segunda vez. Ao contrário de outros governos, seu governo não assumirá nem mesmo um compromisso nominal para combater as mudanças climáticas; pelo contrário, ele se vangloria de seu desejo de travar uma guerra contra a natureza - seu slogan de campanha caracteristicamente grosseiro “Drill, Baby, Drill” exemplificou isso (Fura, Baby, Fura - essa frase é relacionada à extração de petróleo). Sua presidência deixará a rédea solta para empresas de petróleo e gás para que se dediquem à extração ilimitada e ao fracking, independentemente de seu custo profundamente destrutivo.
A escolha de Trump para ser Secretário de Energia é o evangelista do fracking Christ Wright, CEO da empresa de petróleo e gás Liberty Energy. Em sua ânsia de provar sua segurança, Wright bebeu fluido de fracking em um vídeo publicado no Facebook em 2019. Como a maioria dos trumpianos, ele parece ignorar totalmente a ciência das mudanças climáticas. O gás natural liquefeito do fracking contém 85% de metano, que é 80 vezes mais potente que o CO².
Os bilionários nomeados por Trump
De modo geral, o gabinete de Trump está repleto de bilionários e executivos de Wall Street que defendem ideias racistas, transfóbicas, misóginas, tóxicas e teorias da conspiração. Isso inclui sua escolha para Secretário de Saúde, Robert Kennedy Jr., que disseminou o mito nojento e capacitista de que as vacinas causam autismo.
Sua embaixadora na ONU será Elise Stefanic, que já repetiu a teoria racista da “grande substituição” (que coloca que imigração vai "acabar" demograficamente com a população branca dos EUA), inclusive em seus anúncios de campanha para o Congresso. O novo embaixador do Estado israelense é Mike Huckabee, que já proferiu o tropo sionista de que “não existe palestino” - um argumento usado para justificar 76 anos de limpeza étnica, ocupação e genocídio israelenses.
Trump também está ameaçando impor sanções, como proibir membros do Tribunal Penal Internacional (TPI) de viajar para os EUA em retaliação à sua decisão de emitir mandados de prisão para os criminosos de guerra israelenses, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant.
Elon Musk e Vivek Ramaswamy chefiarão o chamado Departamento de Eficiência Governamental (a sigla em Inglês é "DOGE" em referência ao meme da internet), uma agência que provavelmente estará repleta de chefes do Vale do Silício. O objetivo da agência é elaborar um plano para cortar os gastos do governo federal, com uma meta de US$ 2 trilhões - realizando a fantasia neoliberal de controlar os gastos do “grande governo”. Eles têm como alvo a Previdência Social, o Medicare e o Medicaid (os já bem limitados planos de saúde oferecidos pelo governo federal).
Existem barreiras políticas fundamentais para esse programa. Por exemplo, muitos apoiadores de Trump expressaram simpatia pelas ações de Luigi Mangione e ódio pelas empresas privadas de saúde, o que indica oposição à eliminação do papel do Estado na prestação de serviços de saúde. Além disso, em uma era de rivalidade interimperialista, principalmente com a China, o capitalismo dos EUA precisa de um “grande governo” para continuar investindo em indústrias crucialmente estratégicas, como o setor de semicondutores.
Extrema direita encorajada
Assim como em 2016, a reeleição de Trump encoraja ainda mais a extrema direita em nível global, dada a posição que ele ocupa e a retórica e as políticas racistas que ele defende. Ele está empenhado em acabar com a cidadania inata (o direito à cidadania americana se tiver nascido lá), criminalizando os/as filhos/as de milhões de imigrantes ditos “ilegais” e promete deportar 11 milhões deles/as. Criminalizar imigrantes não é apenas um ato abertamente racista, mas também totalmente hipócrita. O medo da deportação e da prisão significa que eles/as podem ser usados/as mais facilmente como fonte de mão de obra superexplorada, o que é crucial para o capitalismo dos EUA e, sem dúvida, faz parte do cálculo.
A eleição de Trump foi recebida com um sentimento real de apreensão por parte das pessoas trans e queer nos EUA e em outros países. Isso ocorre no contexto de um ataque cruel aos seus direitos e tentativas de incitar a LGBTQfobia no que é erroneamente chamado de “guerras culturais”. Trump prometeu “manter os homens fora dos esportes femininos” e reter o financiamento do Medicare e do Medicaid de hospitais que oferecem tratamento de transição de gênero para crianças e adolescentes. Isso ocorre em um momento em que 26 legislaturas estaduais lideradas por republicanos já promulgaram esse tipo de legislação.
O governo capitalista exposto
Com sua vitória, Trump agora está sendo abraçado por diferentes setores da classe dominante dos EUA, inclusive por aqueles que antes apoiavam os democratas. A revista Time o proclamou “Homem do Ano”. Depois de ser banido da Meta em 2020, um de seus principais apoiadores, Dana White, CEO do UFC (Ultimate Fighting Championship), foi incluído em seu conselho. Mark Zuckerberg prometeu abolir a “verificação de fatos” (consequentemente, de fake news) no Facebook e no Instagram, abrindo caminho para que essas redes sejam inundadas por teorias da conspiração racistas e retrógradas. Amazon, Uber, Google e Microsoft, e o CEO da Apple, Tim Cook, doaram US$ 1 milhão para o fundo de inauguração de Trump.
Em um período de crise e decadência sistêmica, os líderes capitalistas estão cada vez mais dispensando o fino verniz progressista ou “acordado” que foram forçados a colocar no contexto das revoltas anti opressões da última década. Trump é o novo representante deles na Casa Branca e é a personificação viva de tudo o que há de podre nesse sistema.
Sua eleição é um sinal de alerta. Diante do aumento do racismo, da LGBTQfobia, do genocídio, da catástrofe climática e da enorme desigualdade social, a necessidade de construir um movimento internacional multigênero e multirracial pelo socialismo é mais urgente do que nunca.
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